domingo, outubro 28, 2012

ZOROASTRO

 
OS PRINCÍPIOS ÉTICOS E MORAIS DE ZOROASTRO

 Zoroastro ao nascer, ao invés de chorar sorriu, de acordo com a lenda. Essa história traduz muito bem a sua visão positiva e alegre do mundo e de seu destino. O antigo sistema de pensamento de Zoroastro, com todos os seus desdobramentos filosóficos, políticos e religiosos, continua atual em seus desafios e em sua surpreendente abertura para a renovação. A busca de Zoroastro começou como a de muitos dos profetas de então e de agora. Chocado com as contradições da sociedade de sua época e decepcionado com as respostas dadas pelo meio pensante, ele decide fazer a sua própria descoberta. Contudo, a sua busca é diferente das dos outros, por não ter como desencadeante o problema da morte, mas o do estado de convivência social injusto de seu tempo.

É interessante notar, desde logo, que ele começou fazendo perguntas e terminou descobrindo algo que o ajudou a fazer mais perguntas ainda, sem necessariamente acompanhá-las com respectivas respostas. Zoroastro descobriu o que queria, não como uma revelação e nem como coisa privativa sua. Ele encontra o óbvio, o que está escrito nas páginas da vida e que pode ser lido por qualquer um. Ele é uma pessoa comum que, no esforço de seu intelecto e na sensibilidade de seu espírito, consegue ver que este é um mundo bom, criado por um Deus bom e destinado a um estado de alegria radiante.

Constatando isso, ele desenvolve uma proposta que tem tanto uma elaboração filosófica como conseqüências práticas para a vida. A grande questão, colocada para ser resolvida por todos os sistemas filosóficos e religiosos, o bem e o mal, para Zoroastro se resolve dentro da mente humana. O bom pensamento ou boa mente cria e organiza o mundo e a sociedade, o mau pensamento ou má mente faz o contrário. Cabe ao ser humano fazer uma escolha e ele tem o poder e a capacidade de fazê-la.

O Cosmo inteiro está a seu favor quando escolhe a boa mente, enquanto que a má mente isola e, portanto, angustia quem por ela opta. Essa escolha é feita no dia-a-dia da pessoa, em cada ação. Ninguém pode fazer uma opção definitiva, esse é um mecanismo dinâmico e progressivo. Essa escolha não desencadeia a salvação ou perdição de ninguém, porque ela é parte de um processo de aprendizagem contínuo, aberto e reformável de acordo com o contexto. Com o progresso de cada indivíduo também progride o mundo, e assim é acelerado o aperfeiçoamento do universo. O quadro só será completado quando todos tiverem chegado lá, quanto todos estiverem no mesmo nível de progresso.

É como numa orquestra; o concerto só é possível após cada instrumento estar afinado. Aliás, essa é a organização interna de todas as coisas em suas especificidades. A perfeita condição de cada parte garante o perfeito funcionamento do todo. Essa descoberta de Zoroastro levou a conclusões inusitadas e revolucionárias. Acenou com uma nova organização social e uma nova religião. A religião baseada no medo do mistério e no apaziguamento de suas forças através da magia e da expiação não fazia mais sentido. Ele descobrira a religião da alegria participativa. Admirada pelo do fato de ser parceira de Deus em seu projeto para a humanidade, através de um processo de livre escolha e de colaboração, a pessoa responde com o cultivo da Boa Mente, de Boas Palavras e de Boas Ações. Essa é a ética da responsabilidade.

Esse esforço, que inicialmente é individual e continuará a sê-lo, recebe, contudo o poder transformador de Deus, que traz em si todas as virtudes: justiça, retidão, cooperação, verdade, bondade etc. O poder transformador de Deus age no mundo em todos os setores e especialmente nas pessoas que lhe abrem a mente. Ele incentiva e capacita o ser humano à escolha e à prática do bem.

As pessoas que vão descobrindo a capacidade que têm de fazer essa opção vão se unindo na descoberta natural de que são parte de um todo magnífico, que se forma em parceria com Deus. Nesse sistema não há lugar de destaque a fé ou para a crença. Não é necessário crer; é preciso saber e agir de acordo com o que se sabe. Temos aqui, então, a religião do conhecimento. É a razão que se sobrepõe à fé e à emoção.

A visão de mundo de Zoroastro não coloca o ser humano como o centro, o motivo de ser do planeta. Ao contrário, uma das tarefas dadas pelo pensamento de Zoroastro é que o ser humano ache o seu lugar no mundo de forma harmoniosa, de modo a não desequilibrar o seu meio. Reverenciar e proteger a terra, a água, o ar e o fogo, além dos outros seres viventes, é uma preocupação constante que aparece no pensamento de Zoroastro. Não há diferença de raças ou de gênero em Zoroastro. O Deus descoberto por Zoroastro não é tribal e não tem um povo escolhido dentre os outros povos. Tanto o homem como a mulher pode tomar a liderança, mesmo nos ritos religiosos.

Talvez o que há de melhor em Zoroastro seja a abertura, quase desafio para se seguir adiante perguntando, descobrindo, mudando, e tudo isso, num movimento dinâmico de progresso. Nada está fechado numa ortodoxia oficial. Em seus cânticos ele faz 93 perguntas e as deixa sem respostas. Está ausente ali a arrogância de dono de uma verdade estática e acabada. E isso não traz insegurança e sofrimento, antes, a certeza de que o que importa está além e acima das idéias. A doutrina de Zoroastro ensina a emancipação e a autonomia do indivíduo. Só a partir disso se torna possível a descoberta do próximo como pessoa e, conseqüentemente, a criação da comunidade. Não há lugar nessa visão para qualquer anulação do ego. Ao contrário, o ego é reafirmado e colocado como base do encontro com o próximo. Se sadio e bem amado, o ego forte é poderoso na capacidade de doação e desprendimento.

A sociedade é para ser organizada dentro desses princípios de livre escolha, da boa mente e da busca do bem de todos os seres. Os líderes têm que ser escolhidos por serem justos e equilibrados. Zoroastro, apesar das dificuldades que enfrenta em seu tempo e que, também desencadeiam a sua busca, não vê o mundo como arruinado, do qual urge fugir e se possível salvar alguns. Antes, o mundo é uma obra em fase de construção, ao qual somos convidados a unir criativamente as nossas vidas. Essa visão de mundo provoca uma ética diferente da que dominou o mundo ocidental, que recorre à punição/recompensa como veículo principal de estímulo ou contenção.

A prática profunda desse pensamento na sociedade não teria criado um sistema judiciário com prisões. O ser humano não está contaminado pelo pecado, antes, pelo contrário, capacitado para escolher a boa mente e para construir um mundo diferente e melhor. Uma leitura de Zoroastro com essa abundância de negações não lhe faz justiça. O contexto judaico cristão onde estamos inseridos, porém, nos obriga a usar esses termos, pelo menos num primeiro momento.

Resgatado e atualizado, esse velho pensamento pode fornecer material para a ética que precisamos nesse nosso tempo. Ele é aberto, estimula o conhecimento e a pesquisa, é ecológico, inclusivo e pode ser também fonte de uma profunda e rica espiritualidade.

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